quinta-feira, 5 de abril de 2012

Um chefe que me amava - parte I

Faz 30 anos que a Argentina declarou guerra contra a Inglaterra pela posse das Ilhas Malvinas. Um ato desesperado do general de plantão - Galtiere, se não me engano, para tentar salvar a já moribunda ditadura. E o que eu tinha com isso? Nada.
Eu era redatora de uma agência de propaganda legal, grande e, como toda multinacional, com muita vontade de expandir seus negócios na América Latina. Escritórios abertos em Buenos Aires e Santiago do Chile, o que fazer? Mandar alguém pra lá, de preferência que conheça o cliente, saiba todos os guidelines, ensine a fazer comerciais de fraldas e sabão em pó que agradem a matriz.
E lá fui eu. Moleca, solteira, sem compromisso e com uma imensa vontade de conhecer o mundo. Segundo meu chefe, perfeita para desbravar novos territórios. Só que naquele tempo não tinha internet, celular, e muito menos liberdade de expressão (aqui mesmo vivíamos em uma ditadura).
Embarquei por sei lá qual companhia área, cheguei em Buenos Aires e não havia ninguém da agência me aguardando. Esperei, olhei, quase chorei - tinha quase 19 anos e a minha grande experiência em viagens internacionais havia sido uma invencionice de chegar até Machú Pichu pelo trem da morte.
Desisti de esperar pelo transfer e peguei um táxi. Menos mal havia um! Inesquecível adentrar na cidade e ver enormes bandeiras azuis e brancas desfraldadas por toda a cidade. E los hermanos, sempre tão politizados, gritando: Las Malvinas son Argentinas!
Meio que surpresa, meio que assustada, não sabia muito bem o que fazer. No hotel, pedi um vinho e liguei a televisão. Euforia total. Todos estavam certos que aquelas ilhas perdidas lá nos confins do extremo sul seriam, por fim e por direito, devolvidas.
Sem noção, achei tudo muito divertido. Meus colegas vieram me resgatar e eu passei dias e mais dias andando de bar em bar, comendo nos melhores restaurantes, indo a todos os shows. Amando Buenos Aires. Trabalhar que é bom, nada. E nem que quisesse voltar para o Brasil, não poderia: o espaço aéreo estava fechado para voos comerciais. Eu era refém de uma guerra que, nem de longe, era minha.
Por fim, e de volta à realidade, a Argentina rendeu-se, a euforia virou revolta e meu chefe me ordenou que eu saísse de lá imediatamente. Tudo bem, agora isso já era possível.
Mas até hoje eu acho que o Leigton Gage gostava muito de mim.



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