domingo, 29 de abril de 2012

O lado branco da força.


Uma coisa é conhecer a história pelos livros. Outra é ver, ouvir, sentir a angústia daquelas pessoas que tiveram suas vidas interrompidas. É impossível sair do Museu do Apartheid do mesmo jeito que se entrou.
O princípio básico do apartheid era simples – segregar. Foi traçada uma linha rígida que separava, de maneira clara e indiscutível, todas as pessoas brancas das não brancas. E como não brancas eram enquadrados negros, mulatos, asiáticos.
Na entrada do museu somos divididos, aleatoriamente, em brancos e não brancos. Laura, branca. Eu, neguinha. Caminhos apartados. Um não se mistura com outro. Tudo bem, depois a gente se encontra. Mas é uma maneira bem didática de demonstrar como era a realidade.

Como está escrito no folheto do museu, ele não é um destino, é uma jornada. Tragédia e heroísmo. Tirania e liberdade. Caos e paz. Será?  
Nenhum momento do período é desprezado. Logo na primeira sala é possível assistir ao discurso do presidente de então (esqueci o nome), branco, justificar o regime de segregação. Sério: o sujeito dizia que estava fazendo uma África do Sul para todos, com cada um no seu devido lugar, onde todos seriam mais felizes. Nem o pior dos nazistas foi capaz de produzir uma declaração tão cínica assim. Depois, temos a deportação para dentro da própria cidade, a construção de Soweto pelos degradados, a vida sob o regime racista. Cruel.

E aí surge Mandela. Ousou desafiar tudo. Tomou tiro. Foi exilado em sua própria casa.  Queimou o passe que dava direito aos negros atravessarem a fronteira para trabalhar nas casas dos brancos. Causou. Chamou a atenção dos países democráticos (piada, até o Brasil, vivendo em ditadura plena, protestou). Por isso, passou 27 anos na cadeia. E não foi só ele. Foram vários os corajosos que tiveram a ousadia de contestar o sistema e que também acabaram sentenciados à prisão perpétua. Gente de valor.
Gente que me faz crer em parte da humanidade. Só em parte.
“Quando os europeus chegaram eles tinham a bíblia e, nós, as terras. Hoje, temos a bíblia e eles, as nossas terras”.

Assim como os tupis, os guaranis, os yanomamis no Brasil, os zulus e xhosas e outros povos da África do Sul, ninguém pediu para ser colonizado por um povo mal educado, que se vestia com jabôs, calças pescador e perucas. Mas foram os ingleses que primeiro chegaram. Mas eles até que foram bonzinhos. Só ensinaram inglês aos locais. E todos aprenderam. A coisa ficou esquisita quando os holandeses – aqueles que não conquistaram Olinda, chegaram e tomaram o poder. Não foi assim tão rápido. Mas um dia eles se consideraram donos do pedaço e decretaram, de um dia para outro, que a língua oficial do país era o Africaner.
Torre de Babel é pouco. Crianças na escola já não podiam aprender – a desculpa foi que as taxas pagas pela população branca para estudar não justificavam sustentar escolas para a população negra. Adultos não se comunicavam com seus patrões. O bicho pegou. Gente de brio.

“Quando ela chorava por sua irmãzinha morrendo de fome, lembrou que ela mesmo estava com fome”
Desculpaê, gente. O assunto é triste mesmo. As pessoas tinham fome em Soweto. E crianças foram assassinadas pela polícia só por reclamarem o direito de entender a língua do professor.
Hector Pieterson, personagem da foto tragicamente famosa, hoje tem um museu-memorial. Sua irmã trabalha lá. O amigo que carrega o corpo na foto está em lugar incerto e não sabido.
Soweto. Dá para parar de chorar?
Dá.  Despedi-me da África do Sul com muito orgulho daquela gente.







Em cartaz, Rei Leão (por favor, tirem as crianças da sala).


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Chegar em Hoedspruit é encontrar a África dos clichês. Com javalis na pista e macacos no telhado, o aeroporto tem paredes de tijolos aparentes, duas salas, banheiros e, sonho de consumo de todo fumante: uma sala de embarque com mesas e cadeiras dispostas em um grande jardim. E melhor, cerveja gelada.
Já nos esperava o nosso ranger – sim, o ranger era só nosso e de mais alguns brasileiros (ô gente que não para em casa!) por todos os três dias. Subimos no jeep e entramos no clima. O lodge, maravilhoso. Fica dentro de uma reserva privada – Kapama – com 13.000 hectares. Logo de cara, a Laura já vibrou: dentro da reserva, vivem os Big Five – leão, rinoceronte, búfalo, elefante e leopardo.


O quarto era show: enorme, com uma varanda e vista para a savana. Adivinhem quem foram nossas primeiras visitas? Os impalas, o bicho, não aquele carro velho que quem tem mais de 40 anos ainda se lembra. Outra vez a Laura vibrou: wifi grátis.


Cerveja tomada, roupa trocada, bóra para o primeiro safári. Logo deu para perceber que impalas, bambis, gnús, javalis e girafas são figurinhas fáceis por lá. E pássaros, muitos pássaros. É preciso ter uma paciência de Jó. O ranger na direção e o spotter, sentado em um banquinho à frente do carro, olham para todos os lados e andam por trilhas que se me largarem lá, nunca mais voltaria para casa – viraria a Jane, esperando o Tarzan para me salvar.

Mas, de repente, não mais do que de repente, uma grande leoa é avistada deitadinha na beira do caminho. A bicha bocejava de tédio e parecia não estar nem aí com a nossa presença. Cansada de ser admirada, levantou-se, atravessou a estrada e se embrenhou pelo mato. Então começou. O ranger deu uma ré, entrou no mato, foi derrubando árvores, cortando galhos com um facão gigante e mandando que nós nos deitássemos no banco para não termos nossos pescoçinhos decepados por plantas com espinhos do tamanho de palitos de dente. Então, ouvimos gritos, uivos, urros, sei lá. Chegamos a uma clareira no exato momento em que a mocinha dava o bote em um imenso javali. O porco gritava, estrebuchava e ela não largava o osso. Ele demorou a morrer e quando isso aconteceu a leoa saiu arrastando a presa mato adentro. Pensa que o ranger se deu por satisfeito? Mais árvores derrubadas, mais facadas em galhos. Tudo para seguir a pobre felina. Coitada, ela só queria jantar em paz.
Momento dor no coração: dizem, que o animal atacado entra em choque e não sente nenhuma dor. Tá certo. Todo mundo acreditou.

Well. Depois de tanta emoção, o resto do safári foi bem normal. Mesmo porque ninguém prestava atenção em mais nada. O papo era só sobre o dia em que a Nala correu atrás do Pumba e, sem o Simba por perto, ele se ferrou.
Dia seguinte, as cinco da matina (lembrem-se estamos em férias), nos acordaram. Outro safári. Desta vez, dois Big Five: o búfalo e o rinoceronte. Eu, que já estive na Ilha do Marajó e até montei em um búfalo por lá, não entendo porque essa fascinação pelo ser que na ilha é quase um animal doméstico. Mas, vá lá. Estamos na África. Os rinos – uma fêmea e um jovem macho (pedofilia na savana?) pastavam na maior tranquilidade. A fêmea até deu uma cheiradinha no jeep. Mas, como ele não cheirava CK One, ela se desinteressou. E continuaram pastando.

E tome impalas, gnús, bambis e javalis. E também girafas. Cadê os elefantes? Onde está o leopardo? E o marido daquela mocinha nervosa que nos presentou com um banquete no dia anterior? Tudo era expectativa quando o ranger, sempre ele, viu uns urubus rodeando. Vai o louco para dentro do mato de novo. E, de novo, momento Discovery Chanel: uma búfala havia sofrido um aborto e o feto jazia no chão. Como boa mãe, ela não se conformava e estava muito brava. Atacava o jeep, atacava os urubus. Por fim, a lei da selva venceu. E ela se foi, pronta para outra jornada.
O resto da manhã foi piscina até onde deu para aguentar o calor. Almoço tardio. Outro safári. Sem querer repetitiva, já sendo: impalas, gnús, bambis e javalis. Até que o Steve – nosso ranger, recebe uma mensagem pelo rádio e sai em desabalada carreira pela trilha. Pelo menos, sem derrubar nenhuma árvore. Estava lá o nosso terceiro Big Five. Estava não, estavam. Muitos elefantes, alguns Dumbos tão filhotes que nem sabiam ainda para que servia a tromba. Lindos. Satisfeitos, voltamos, jantamos e cama.

Último safári. E o tal do Leopardo. Ninguém sabe, ninguém viu. Só algumas pegadas. Eu acho que é uma lenda, mas tem gente que jura que avistou. A Laura acha que é mentira. Pode ser. Por fim, mais uma leoa e agora sim, acompanhada de um macho. Um velho macho (eles não se importam com essa coisa de diferença de idade). O rei das selvas estava só interessado em comer umas graminhas – coisa de velho. A leoa estava interessada em uns impalas. Eles, de novo. Ok. 4 Big Five está de bom tamanho. Até breve, Kruger Park.

Adendo de Laura
Todo biólogo que se preza, mesmo aqueles malucos que ficam olhando no microscópio o dia todo, gostariam de fazer um safári na África. Finalmente realizei o meu sonho e confesso que a emoção de ver os animais em toda sua plenitude me trouxeram lágrimas aos olhos em algumas ocasiões. Um dos momentos mais esperados foi o encontro com os elefantes. Era só olhar para o Stephan, nosso querido e rechonchudo guia, toda vez que entrava no jipe eu falava: “hoje você tem que me mostrar os elefantes!”. Como se fosse fácil. Mas, quando encontramos a manada (com a ajuda de uma boa alma que deu a dica da localização pelo rádio), me emocionei. Já dos rinocerontes eu senti foi é medo, aquele bicho, que parece um tanque de guerra, vindo cheirar o carro e ficar a menos de um metro de mim. Ainda bem que ela (uma fêmea) estava mais interessada na grama. Já a leoa foi cena de documentário, fiquei com dó, mas fazer o que né? Ela tem que comer! Depois de 4 safáris espetaculares posso dizer que o saldo foi super hiper ultra mega positivo, sem dúvida uma das experiências mais espetaculares da minha vida e posso agora botar um x na minha lista de coisas que tenho que fazer antes de morrer.

Nem os poderes de baco evitam os perrengues.


Ontem o programa era visitar Stellenbosch, uma região que tem dedicado sua vida ao vinho desde o século 17. Levantamos cedo, banho e café da manhã e o ser que viria nos buscar não apareceu. Resolvemos marcar com outra empresa, desta vez para um tour de meio dia, ao invés de dia inteiro. Menos mal, ficar o dia todo experimentando vinhos não ia dar muito certo.
No caminho, existe uma reserva onde se pode interagir com cheetas – guepardos e não a macaca do Tarzan. Laura mega ultra entusiasmada. Chegando lá, descobrimos que a entrada só poderia ser paga em dinheiro. Que nós não tínhamos, pois gastamos tudo em táxis no dia anterior. Laura não se deu por vencida: conseguiu, por meros 5% de comissão, fazer uma negociação com um comerciante local – passou o cartão de débito e pegou a grana. Pronto.
Confesso que não achei muita graça. Para passar a mão bicho era preciso quase ajoelhar. Nada fácil para mim, com o dedo do pé estropiado. Mas a Laura delirou.

 Depois, visitamos a vinícola Tokara,  ultra tecnológica, onde os barris de carvalho foram substituídos por aço. Suas instalações tem o bom gosto dos modernos: clean, esculturas minimalistas, uma bela sala com lareira falsa antiga. Faz parte do programa experimentar 5 vinhos. Mas era tudo um pouco asséptico. Dá para degustar vinhos em pé no balcão? Isso para mim combina mais com degustação de rabo de galo.
A segunda vinícola, Boschendal, encanta de imediato. Ela nasceu em 1685! E os carvalhos não deixam que a história pareça mentirosa. Tudo é muito bonito. As montanhas, lindas, abraçam a propriedade. A casa antiga, a adega com um telhado feito de uma espécie de palha, porém da cor do vinho, as mesas ao ar livre. Degusta-se 5 tipos de vinhos também, mas com o carinho de antigamente: uma taboa de queijos veio nos fazer companhia.
No final das contas, um belo dia. Saúde.

Dobramos o Cabo da Boa Esperança.
Quer dizer, eu já dobrei faz tempo, mas hoje, sexta-feira, foi de fato. O Cabo da Boa Esperança é o acidente geográfico que fica na parte mais ao sul da África, ali onde o Atlântico e o Índico se encontram. Quem não faltou nas aulas de história, deve saber que dobrar esse cabo virou a grande obsessão dos nossos patrícios depois que o império Otomano tomou Constantinopla e cortou o Caminho para as Índias. Como na época ninguém podia viver sem especiarias – mais ou menos como hoje ninguém consegue dar um passo sem um smartphone, lá foram nossos bravos navegantes enfrentar os mares bravios. O negócio era tão difícil de ser feito que tal cabo foi chamado Cabo das Tormentas. Mas, quando tudo deu certo, esqueceram as desgraças e ele passou a ser conhecido como Cabo da Boa Esperança.
O principal capitão responsável pela façanha foi o Vasco da Gama. Que depois virou um time de futebol e, por muito pouco, não tirou do Corinthians o título de Campeão Brasileiro de 2011.
O Cabo é tão lindo que poderia já ter sido promovido a Almirante. O local faz parte do Parque Nacional Table Montain que abriga, veja bem, estamos na África, inúmeras espécies de animais. Nós só vimos um mísero lagartinho, irmão quase gêmeo de um calango. Mas tudo bem. Como bem lembrou a Laura, foi a segunda vez que estivemos no ponto mais extremo de um continente: primeiro Ushuaia, América do Sul, e agora Cape of Good Hope.

Como o dia não poderia passar sem micos, alguns:
- saímos, novamente, sem dinheiro vivo na bolsa. Doce ilusão que o Visa Travel Money carregado de rands nos livraria de qualquer saia justa. É muito burro pensar que estamos viajando pela Europa. No meio do caminho paramos para um passeio de barco que leva as pessoas para avistarem focas. Como eu e a Laura já vimos focas suficientes na vida, fomos para uma feirinha de artesanato.  Cartão, neca. Ao invés de focas, avistamos um caixa eletrônico. Dinheiro na mão é vendaval. A próxima parada foi uma visita a uma praia cheia de pinguins. Apesar de já ter visto pinguins de montão, a Laura queria ver mais uma vez. Ela adora os bichinhos. Mas, cadê o dinheiro? Torramos tudo na feirinha. Andamos por um caminho alternativo e até conseguimos ver alguns. Sempre se dá um jeito, né? Vale até se pendurar no parapeito para conseguir uma foto da colônia, e viva o zoom de 12 vezes!

- final do dia, uma parada no Jardim Botânico da cidade. Que ideia! Por que não parar em uma cervejaria, já que nossos companheiros de tours eram três alemães? Na bilheteria, aceitavam cartões. Viram a nossa sorte? Mas era ou entrar ou ficar torrando no sol. Ou seja, 80 rands para ver umas bromélias.
- ah! O dia estava maravilhoso e não havia uma nuvem sequer sobre a Table Montain. Essa montanha passou a semana tirando uma com a cara da gente. Tudo bem, acredito que tudo tem volta. Já programar outra viagem para Cape Town.


Por falar em Cape Town:
- ela e o Rio de Janeiro não são em nada semelhantes, a não ser por possuírem uma montanha traiçoeira. Os felizardos habitantes do Leblon, Ipanema, Leme, Copacabana, Urca e Barra da Tijuca têm praticamente a praia na porta de casa. Em Cape Town, as praias ficam distantes. É como se as praias do Rio só começassem na Barra de Guaratiba.
- construções baixas é lei na orla carioca, mas aqui elas são vistas por toda a cidade. Nada de prédios gigantescos, de neoclássico, concreto ou vidro fumê. A arquitetura harmoniza com o verde que encobre as montanhas.
- não é permitido beber na areia. Imagine que coisa chata: a água é muito gelada, não dá para entrar (isso sim, me lembra Ipanema), não tem quiosque vendendo caipirinha nem camarão no espeto e do outro lado da calçada, onde é permitido beber, os bares têm toalhas nas mesas e copos de cristal. Isso lá é praia que se apresente!
- as encostas das montanhas são ocupadas por casas muito grandes e elegantes. Como elas aparentam ser bem antigas, não devem acontecer muitos deslizamentos e as consequentes tragédias. 

Um dia em que deu quase tudo errado.


O dia 13 de dezembro amanheceu chovendo. E muito. Primeira decepção:  Laura queria  mergulhar com os tubarões, mas foi logo sendo avisado que com chuva e tanto vento, tal aventura não seria possível. Não entendi  nada: se é para mergulhar, por que deveria estar fazendo sol? Ok. Sem mais. Plano B. Resolvemos pegar um ônibus turístico – aquele que você sobre e desce onde você bem entender, fica por quanto tempo quiser e espera pelo próximo. Sei que tem muita gente que odeia, mas acho uma boa maneira de entender a cidade ou, se tiver pouco tempo para isso, ticar todos os lerês em um só dia. Os nossos objetivos eram subir até a Table Montain e visitar o aquário e o Museu da História Africana. A parte dedicada à arqueologia é muito interessante. Cobre milhares e milhares de anos – e já que todos nós descendemos de um africano, é de sempre de bom tom conhecer nossos tritritritriavós.
Pinturas rupestres, lindas. Modos de vida, vestimentas, artefatos de uso cotidiano. Tudo didaticamente exposto com maquetes e bonecos em tamanho natural. No segundo andar do museu o foco era a vida marinha. Um lixo. Tirando um esqueleto real  de uma enorme baleia Jubarte, o resto dos bichos era de plástico. E muito mal feitos.

Segunda parada: uma igreja que ficava no District Six e hoje também é um museu. O bairro concentrava uma grande diversidade de raças e etnias e quando o governo aprovou uma lei que proibia relacionamentos inter-raciais, 60 mil pessoas foram desalojadas e transportadas para a periferia da cidade. Todos os edifícios, com exceção das igrejas e mesquitas, foram destruídos e até hoje existem imensas áreas que nunca foram ocupadas pelo governo de então. Um pensamento recorrente é que tais áreas deveriam permanecer assim, tomadas pela grama e ervas daninhas, para que ninguém se esqueça do que foi feito ali.
Terceira parada, não paramos. Meu pé precisava de um descanso. Quarta parada – não, ainda não morri, Table Mount – o teleférico estava fechado. Tudo nublado. Pena. Volte outro dia. Hãhã.

Quinta parada, o Aquário. Enquanto Laura foi comprar os ingressos eu, fumando um cigarrinho, dei falta dos meus óculos escuros. Fui até o ônibus e o motorista pediu o ticket do tour. Estavam com a Laura. Fui buscar. Voltei e ao ver o bus partindo dei adeus a um belo Vuarnet de estimação.

O aquário vale a visita. Já na entrada, alegria da criançada, um espaço só para os nemos. Tudo é organizado por oceanos. Tem sala para o Índico, para o Atlântico, para o Pacífico. Só achei falta de uma sala para o Mar Morto. No final, a sala mais esperada: os tubarões. Lotada. Dois mergulhadores alimentavam os bichos. Na boa. Com eles também convivem tartarugas gigantes e outros peixes (mais informações, a Laura atende em horário não comercial).
De novo, e agora sob o sol e sem óculos escuros, fomos almoçar. Comemos pouco, porque eu tinha uma recomendação sobre um restaurante imperdível (estou acreditando que meus amigos que me recomendam restaurantes viajam sempre na pessoa jurídica), um tal de Moyo.
Gente, era longe demais. Quase 500 rands só de táxi para ir e voltar. O ambiente, bacana. O cardápio, incompreensível. Perdido por perdido, perdido e meio, pedi uma carne. Prato típico sul-africano. Very nice – opinião do garçom. Tudo bem, tá no inferno abraça o capeta. O prato chegou com duas coxas de um ser que eu não identifiquei nem pelo sabor nem pelo aspecto. A Laura perguntou ao garçom: springbok. Ah! Uma espécie de antílope, porém pequena.
- Mãe, você comeu o bambi.
Você sabia?
Um dos animais mais temidos por qualquer ser humano racional é o tubarão branco.  Aqui na Cidade do Cabo eles infestam os mares e servem de atração turística. Porém, a fama de assassino dos mares é injustificada porque o animal que mais mata na África não é o tubarão branco e sim o hipopótamo(!!!).Isso mesmo, o singelo animal que aparece dançando balé no clássico da Disney Fantasia é o grande terror africano. Enquanto os tubarões matam de 30 a 100 pessoas por ano os hipopótamos matam mais 200. Mas o animal mais mortífero do planeta é o mosquito, grande disseminador de doenças, ele mata mais 2 milhões de pessoas por ano. Não se esqueçam do repelente!


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Meu chefe me amava - parte II

Depois de ter passado pela experiência de ser uma publicitária mandada para o front durante a Guerra das Malvinas, meu chefe decidiu que eu seria a pessoa ideal para dar uma assistência ao pessoal da agência recém adquirida pelo grupo em Santiago do Chile. A minha nobre missão era organizar um workshop em Viña del Mar. Tendo como convidados, além dos próprios chilenos, colegas da Argentina, Brasil, Peru, Bolívia, Porto Rico, Miami (sempre considerada parte da America Latina), Portugal, Itália e, claro, os galantes ingleses, o evento virou uma confusão.
O Chile vivia uma ditadura - mais uma no meu currículo. Pior, havia toque de recolher.
O que significava deixar mais de 30 homens depois de um dia inteiro de trabalho (ok, sempre com vinho disponível), confinados em um hotel. Tudo bem, o desespero durou pouco. Éramos todos criativos.
Alguém, cujo nome não conto nem sob tortura, descobriu um cabaré que ficava aberto a noite inteira. A condição era: entrem até as 21h e saiam depois da 7h. E foi só felicidade.
Tropicana era o nome do local. Marujos, travestis, stripper, doidos de todos os lugares do planeta atracavam ali para passar o tempo. Tinha a Mulher Busto (mãe de todas as mulheres melancias, peras, maçãs?), a Louca Por Ti America, o que bebia mesmo dormindo - tinha uma técnica invejável: deixava a garrafa apoiada em um copo e a bebida ia caindo na sua boca como em conta gotas enquanto ficava com a cabeça apoiada na mesa. Sensacional.
Como as poucas mulheres que integravam a comitiva delegada não queriam ficar sozinhas no hotel, lá íamos nós.
Foi uma bebedeira, uma risadaria, uma congregação só. Como nem tudo é perfeito, os chilenos não participavam da festa.
O resultado disso foi que o workshop resultou bem menos produtivo do que se esperava. Mas, a festa de encerramento, agora com a presença dos chilenos, foi lá mesmo. No Tropicana.
Saudades do chefe que só me metia em encrencas.

Um chefe que me amava - parte I

Faz 30 anos que a Argentina declarou guerra contra a Inglaterra pela posse das Ilhas Malvinas. Um ato desesperado do general de plantão - Galtiere, se não me engano, para tentar salvar a já moribunda ditadura. E o que eu tinha com isso? Nada.
Eu era redatora de uma agência de propaganda legal, grande e, como toda multinacional, com muita vontade de expandir seus negócios na América Latina. Escritórios abertos em Buenos Aires e Santiago do Chile, o que fazer? Mandar alguém pra lá, de preferência que conheça o cliente, saiba todos os guidelines, ensine a fazer comerciais de fraldas e sabão em pó que agradem a matriz.
E lá fui eu. Moleca, solteira, sem compromisso e com uma imensa vontade de conhecer o mundo. Segundo meu chefe, perfeita para desbravar novos territórios. Só que naquele tempo não tinha internet, celular, e muito menos liberdade de expressão (aqui mesmo vivíamos em uma ditadura).
Embarquei por sei lá qual companhia área, cheguei em Buenos Aires e não havia ninguém da agência me aguardando. Esperei, olhei, quase chorei - tinha quase 19 anos e a minha grande experiência em viagens internacionais havia sido uma invencionice de chegar até Machú Pichu pelo trem da morte.
Desisti de esperar pelo transfer e peguei um táxi. Menos mal havia um! Inesquecível adentrar na cidade e ver enormes bandeiras azuis e brancas desfraldadas por toda a cidade. E los hermanos, sempre tão politizados, gritando: Las Malvinas son Argentinas!
Meio que surpresa, meio que assustada, não sabia muito bem o que fazer. No hotel, pedi um vinho e liguei a televisão. Euforia total. Todos estavam certos que aquelas ilhas perdidas lá nos confins do extremo sul seriam, por fim e por direito, devolvidas.
Sem noção, achei tudo muito divertido. Meus colegas vieram me resgatar e eu passei dias e mais dias andando de bar em bar, comendo nos melhores restaurantes, indo a todos os shows. Amando Buenos Aires. Trabalhar que é bom, nada. E nem que quisesse voltar para o Brasil, não poderia: o espaço aéreo estava fechado para voos comerciais. Eu era refém de uma guerra que, nem de longe, era minha.
Por fim, e de volta à realidade, a Argentina rendeu-se, a euforia virou revolta e meu chefe me ordenou que eu saísse de lá imediatamente. Tudo bem, agora isso já era possível.
Mas até hoje eu acho que o Leigton Gage gostava muito de mim.