sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Só vendo mesmo.


A Capadócia é um lugar que desafia aquele que não gosta de clichês nem de adjetivos. Então, vamos lá: inacreditável, impressionante, maravilhosa, incompreensível, fantástica, receptiva, calorosa, linda. Esgotei. Me nego a falar paradisíaca, mesmo porque tal lugar comum costuma ser empregado para descrever praias.







Vixe Maria!


Fé é fé. Eu não discuto. Mas essa história me pareceu bem mal contada. Reza a lenda que Maria, mãe de Jesus, depois da morte do filho, foi viver na Turquia, em companhia do João Evangelista, que também foi promovido e virou Santo.
Católicos de todos lados visitam essa capela/casa e sentem todas aquelas coisas que místicos costumam sentir: tremores, convulsões, vontade de chorar e experimentam uma profunda paz depois. Sei lá. Não entrei. Tinha fila e eu não estava com saco. Mesmo porque a casinha é mais falsa do que o santo sudário. A construção original está embaixo da terra, sendo devidamente ignorada pelos arqueólogos de plantão. Afinal, quem tem Éfeso, Hierápolis, Tróia para investigar e entender, não deveria mesmo se ocupar de uma lenda.
Mas, ela está lá. Cercada de verde, tudo muito bonito e bem cuidado. Até um buraco no chão é sacralizado. Seria um poço próprio para a realização de batismos. O interessante é que em um país muçulmano, muito embora o estado seja laico, exista uma loja cheia de bugigangas para serem levadas como lembranças da casa da Virgem. E, em pleno Ramadã, era possível beber uma cerveja na lanchonete. Vai entender.

Quem pode pode. Quem não pode vira tatu.





























Depois de adentar em uma cidade subterrânea, entendi: claustrofobia é uma doença moderna. Assim como a obesidade. Quando você chega é até bonitinho. Uma escadinha civilizada e alguma luz recebe os visitantes. Vai nessa. Conforme a turba vai virando tatu, o negócio vira um sufoco. Caraca! Os mais altos se abaixam, os mais gordos entalam e você, lá atrás, sem saber o que esperar.
As cidades subterrâneas da Capadócia começaram a ser construídas pelos Hititas. Em tempos de guerra, era preciso se virar para viver mais um pouquinho. A que eu visitei tinha 8 andares para baixo - quase 100 metros de profundidade. Não, eu não passei do segundo. Nem eu nem ninguém. Medidas de segurança são sempre bem-vindas.
Para olhos estranhos, aquela obra de engenharia parece impossível de ser realizada sem auxílio das máquinas de fazer metrô. Acontece que a região é formada por rochas vulcânicas, porosas e fáceis de escavar. Ali tem de tudo que um apartamento de hoje apresenta: lugar para cozinhar, para armazenar alimentos, para dormir, para ir ao banheiro, para fazer um social. Tem até poços de água potável e um sistema de ar-condicionado. Sensacional!
Depois que os Hititas, sei lá, foram morar em Miami, as cidades receberam novos habitantes:os cristãos. Como eles também não tinham vida nada fácil na época, aquilo era um paraíso. Seguro, confortável, eficiente. Cada um sabe onde aperta o calo.

Mora na filosofia.
















Naquela época o povo não tinha mesmo sossego. Ninguém ficava em casa, vendo novela. Ainda bem. Em 1000 a.C, Éfeso já era uma cidade e tanto. Mas os arqueólogos encontraram vestígios até dos Jônicos. Foi dominada pelos persas e depois pelos romanos. Eles, de novo.

Três séculos antes de Cristo, a cidade já era um centro de cultura e discussões filosóficas.
Dá para ver que os ¨efesianos¨ não gostavam de nada mambembe:
o teatro, usado até hoje em eventos especiais, tem capacidade para 25 mil pessoas! Mais novinha é a Biblioteca de Celso. Foi construída no ano 106 d.C. e tinha o maior acervo de obras da época.Me contaram que, por medo dos constantes terremotos, resolveram transferir todo o acervo para um lugar mais seguro. Assim foi feito. Todos os milhares de pergaminhos foram parar na biblioteca de Alexandria. O resto, vocês já sabem.
Como eu estava fazendo uma visita guiada, fiquei sabendo de coisas que provavelmente sozinha não saberia. Essa da biblioteca foi uma. Outra é que Paulo e João pregavam a religião católica por ali. E parece que deu certo. Para a religião e para eles, que foram promovidos a Santos.
O banheiro público é de uma poesia só: várias latrinas,uma ao lado da outra, serviam para que os homens discutissem política e tramassem revoluções enquanto estavam lá, cagando. Tudo muito convidativo uma vez que o sistema hidráulico levava toda a sujeira sabe-se lá para onde e uma banda tocava os ritmos preferidos da elite intelectual
Mesmo com todos os tremores passados e presentes, Éfeso é muito bem conservada. E grande. Aja disposição!

Castelos de Algodão. Os turcos são uns poetas.





























De longe, parece neve. De perto, parece nada com que eu já tinha visto. Formações calcárias, muito brancas, formam cascatas de água sulfurosa. E tudo é azul. As piscinas são bem rasas e, segundo me disseram, escorregadias. Mas as pessoas não se importam. Todo mundo pisando, deitando, se refestelando. Enfim, agredindo mais um Patrimônio Histórico Mundial da Unesco. Ao redor dessa maravilha, estão as ruínas de Hierápolis, cidade fundada pelo rei de Pérgamo, aquela do pergaminho. Entre as ruínas, um balneário utilizado até hoje - dizem que as águas são boas para reumatismo, pelagro, espinhela caída. Não sei se os milagres acontecem pela água ou pelos poderes de Hércules - as piscinas naturais se formaram ao redor de uma estátua dele, derrubada por um dos inúmeros tremores de terra que, desde sempre, acontecem na região. E é uma festa. Para dar um mergulho, suba na cabeça do Hércules. Para namorar, deite em uma das suas pernas. O complexo é bem equipado. Mesas, lanchonete, banheiros, caixas eletrônicos. Os humanos não têm do que reclamar. Zeus estava inspirado quando fez esse lugar.


Entre gregos e troianos, a Turquia.




Muita gente passou a conhecer Tróia por causa do Brad Pitt. Tá bom, ele é lindão. Na verdade, aquilo tudo que foi contado no filme é tido como mito, ou melhor, como poesia: a Illíada. Mas Tróia foi bem real, assim como a guerra. Não uma, nem duas. Foram várias guerras ao longo dos tempos. A famosa, segundo historiadores e arqueólogos, ocorreu mais ou menos entre 1193 e 1183 A.C., durante o reinado do rei Priamo. Visitando as ruínas, fiquei sabendo que existem 7 cidades, uma construída sobre a outra. A última, ou a primeira que aparece nas escavações, foi fundada pelo imperador romano Augusto. Ou seja, além de gregos, troianos, cimérios e frígios, temos também os romanos. Como diz Axterix: malditos romanos.
Em tempo: o cavalo que recebe os visitantes é uma réplica daquele que foi usado no filme. E não cabe quase ninguém na barriga dele.

Salve, Jorge! Sem palavras.




Fazer um passeio de balão na Capadócia deveria ser uma coisa que todo ser humano deveria ganhar ao nascer. Mesmo porque é muito simples: você faz uma reserva, coloca o despertador para a 3 horas da madrugada, vai para o saguão do hotel e espera até que um homem que você nunca viu na vida venha te buscar. Escuro ainda, ele te leva por umas estradas de pedra, bem labirínticas. Tempo depois, chega-se no meio do nada. E lá você encontra uma kombi ou algo parecido. Mas, nada a temer.É só um local para que você possa realizar o pagamento do voo. Sério, assim mesmo. Escuro, sem ver nada pela frente nem pelos lados, saca-se o cartão de crédito e pronto. Que tecnologia! Bem, estamos na Turquia. Nessa altura do campeonato outras pessoas já começam a aparecer. Então a equipe baloeira chega e começa a função. Para acalmar os ânimos e esquentar o corpo, chá - faz frio, muito frio. Começa o espetáculo. Gás no balão e o bicho vai crescendo, crescendo. Hora de embarcar, ou melhor, escalar. Nunca pensei que fosse tão difícil entra naquela cesta. Só que quando o balão vai subindo, vai descendo a garoa. Dos olhos. Não sou piegas, mas dá vontade de chorar. O sol nasce quando a gente já está lá no alto. PQP. Quase uma hora depois, hora de voltar para a realidade. Todo mundo reclama, claro. O balão vai indo, indo, indo cada vez mais baixo e lá na estrada um carro segue - balões têm vida própria e param onde bem entendem. Fim de sonho. Somos recebidos com champanhe - turco, 7 e meia da manhã e com o estômago vazio. Beleza. Eu bebo, por que não?

Sem sapatos e sem fôlego.



Tomando o cuidado de não chegar nos horários de oração - acho que são 5 por dia, dá tranquilamente para conhecer a segunda maior mesquita do mundo. A primeira fica em Meca. Por total incompetência da fotógrafa, as imagens estão uma porcaria. Mas, garanto, é muito, muito linda.
Mulheres de um lado, homens de outro, e turistas todos juntos e misturados, só é preciso tirar os sapatos e entrar na Mesquita Azul - seus vitrais são azuis, claro. O chão todo forrado de tapetes, as paredes cobertas de mosaicos delicadíssimos, dá-lhe embasbacamento.

Como se não bastasse tanta formosura, a Mesquita Azul tem como vizinha a Santa Sofia. Com 15 séculos, ela já foi igreja bizantina, mesquita, e hoje é um museu. Ali dá para passar horas e horas não só apreciando os mosaicos islâmicos como também os bizantinos. Além de conhecer muito sobre a história de Constantinopla e o império Otomano.
Palácio de Topkapi - vida de sultão.

Até que o Atatürk, pai dos turcos e figura onipresente por todo o país acabasse com a mamata deles, os sultões viviam bem que era uma beleza. E o Palácio de Topkaki é a prova disso. Enorme, dá passar dias lá dentro. Reúne tesouros - entre eles um diamante de 86 quilates, tronos, armas, armaduras, trajes imperiais e relíquias do Islamismo. Tá tudo lá: o turbante de José, a espada de David, o manto de Maomé, seu estandarte, uma marca de pegada (Maomé andava descalço?) e, verdade, um dente e fios de barba do profeta! Para entrar no harém, é preciso pagar uma entrada separada - não esqueçamos, estamos na Turquia. Em um grande labirinto de salas e corredores decorados com azulejos e vitrais, eram guardadas as mulheres, concubinas e filhos do sultão. Sempre sob a vigilância dos eunucos e da sultana-mãe, a mulher mais poderosa do harém.
Não, não tirei fotos. Não podia. E mesmo que tivesse tirado, iriam sair uma droga mesmo.

Um pé na Europa outro na Ásia. Literalmente.















Istambul já teve muitos donos. Fenícios, gregos, romanos, otomanos. E todo mundo que não faltou na aula de história sabe de cor e salteado o capítulo sobre a queda de Constantinopla - que por lá eles ensinam como a conquista e não a queda, e todo o rolo que isso deu. Portanto, nada de didatismo por aqui (mesmo porque eu acho que não decorei muito bem as lições).
Seguindo todas as orientações recebidas, fiquei hospedada no bairro Sultanahmet, centro histórico da cidade. Para uma primeira visita, todas as principais atrações estão lá. Dá para fazer tudo a pé. Ou de barco. O cruzeiro, vá lá, eles chamam assim, pelo Bósforo, é imperdível.
Dá para comprar um tour organizado ou ir por conta própria - é facinho, facinho. As barcas saem do porto em frente a Mesquita Nova (tem muitos séculos, mas devido a idade da vizinhança, ela é novíssima). E é assim: você olha para um lado, Europa. Olha para o outro, Ásia. Dá para pegar com mão.
Algum colega blogueiro fez uma lista de motivos para se conhecer a Turquia. Achei bem legal. E,mesmo não lembrando o nome dele e muito menos do blog, faço uma homenagem reproduzindo-a (cara de pau é pouco).
Por que ir para a Turquia?
- A guerra de Tróia foi lá.
- Foi na Turquia que o herói Belerofonte matou a Quimera, o famoso cavalo alado.
- Foi lá também que Alexandre Magno cortou o nó górdio.
- As setes igrejas do Apocalipse ficam da Turquia.
- O monte Ararat, onde a arca de Noé ancorou depois do dilúvio, também.
- São Nicolau, o Papai Noel, era turco.
- São Jorge também.
- Tales de Mileto, um dos sete sábios da Grécia, também era turco. Foi ele quem primeiro explicou e previu um eclipse solar.
- Depois da morte de Jesus Cristo, a Virgem Maria foi morar na Turquia.
- A primeira moeda do mundo foi cunhada na Turquia.
- O Orkut foi inventado na Turquia pelo engenheiro Orkut Buyukkokton.

E acrescento: o Rei Midas, aquele que transformava em ouro tudo que tocava, também era turco. Até vi a reprodução do túmulo dele no Museu da Civilização, em Ankara.













Mas será que eu estou falando turco?

Nunca tinha me passado pela cabeça visitar a Turquia. E olhe que eu tenho uma imaginação bem viajante. Mas, lendo uma coisa aqui, outra lá, resolvi. Ignorante que sou, cheguei lá bem no Ramadã. Cheguei não, chegamos. Minha mãe também foi.
Horas de viagem, conexão tumultuada em Madri - quase o avião se foi nos deixando para trás, pousamos. Todos os alemães, holandeses e finlandeses tiveram a mesma ideia. Fila imensa na imigração, dois funcionários. Parece um país que eu conheço bem. Vencida a barreira, esteira de bagagens. Minha mochila apareceu rapidinho. Já a mala de mamis, nada. Mala preta, comum, se não contasse com inúmeras fitas vermelhas como adorno. Para melhor identificação, disse ela. Sei.
Roda, roda e roda. Uma mala preta apareceu. Sem fitas. Diálogo:
- Arrombaram a minha mala.
- Mãe, tem certeza que essa é a sua mala?
- Lógico! Eu não vou conhecer a minha mala! Arrombaram.
- Mas, mãe, a mala está fechada.
- Roubaram as fitas, ué.
Pensando nesse estranho fetiche turco por fitas, fomos. Fiscalização zero. Corta.
Hotel.
- Yara, essa não é a minha mala!
- Pelo peso, parece que tem um cadáver dentro.
- Ai, meu deus! E agora?
- Agora você compra uma burca. É moda por aqui. Vamos jantar.
Tá certo que eu tive sossego. Consegui convencer a querida mamãe que no dia seguinte resolveríamos tudo, ok? Fui dormir pensando em como resgatar uma mala perdida em um aeroporto onde todo mundo fala turco.
Nem foi tão difícil assim. O gerente do hotel escreveu um bilhetinho e munida de tal passaporte me mandei pro aeroporto. Mostrei o bilhete a um guarda. Ele riu. Me levou até outro guarda, que também riu e mostrou para aquele que parecia seu chefe. Esse não riu. Esbravejou. Por fim, achamos o depósito de malas trocadas e lá estava ela, cheia de fitas vermelhas.
Até agora, eu não sei o que estava escrito no bilhete. Se tiver alguém que entenda turco, por favor, deixe a tradução na caixa de comentários.